sexta-feira, 28 de maio de 2010

África e o discurso performativo

Caros amigos, hoje pretendo iniciar uma discussão metodológico-conceitual que permeia toda minha pesquisa: a ideia de representação. Antes, porém, alguns esclarecimentos. Estou cursando a disciplina Prática de Pesquisa em História III e, ao término, tenho que entregar um projeto de pesquisa, a ser o caminho para a produção monográfica. Até então tudo bem, já fiz um projeto, aquele de Iniciação Científica. Entretanto, estou com algumas dificuldades: trabalhando com duas frentes, na perspectiva comparativa, tenho que ler duas fontes, duas bibliografias, fazer duas análises individuais... enfim, tudo dobrado. O problema é que não dá tempo! Não é uma tese de doutorado, é uma monografia! Dessa forma, optei por concentrar-me apenas no concernente à África e, talvez um dia, eu retome minhas comparações de forma mais refinada e com mais tempo para elaboração.
Assim, a discussão que tentarei apresentar agora prende-se à África e, de certa forma, foi um dos pontos que toquei ao apresentar o A construção da África. O que entendemos por representação pode ser uma pergunta inicial, mas pensamos que seria melhor pensar em como a representação se constitui para, então, discutir tal ponto.
Luís Filipe Barreto e José da Silva Horta concordam que tal processo parte do embate entre o lido e o visto, entre a tradição e a experiência. Isso significa que, ao ter contato com outros povos, os viajantes atribuíam uma determinada significação à realidade com a qual se defrontavam menos analisando os elementos que, de fato, a constituem, que retomando seu arcabouço cultural. Assim, tanto a realidade africana como americana ou, ainda, oriental, são "forçadas" a caber dentro da cosmologia, da sociologia e da religião europeias. Gruzinski afirma que a América foi descrita com vocabulário europeu, o que leva-nos a perceber que, embora os elementos presentes em ambos os continentes fossem diferentes em natureza e uso, são descritos com palavras afins: a identidade na diferença é ressaltada, ou antes, o discurso da alteridade impera nas fontes.
Entre descrever e prescrever não há muita distância do ponto de vista do discurso. Ao descrever os novos mundos, os europeus recriavam-nos: atribuíam novos significados, entendiam as práticas de maneira diferente daquela nas quais elas eram entendidas pelos seus praticantes, recriavam um mundo de relações sociais de acordo com a dicotomia lido/visto. Aproximamo-nos, assim, do discurso performativo que emana das representações. Tendo as últimas como processos conscientes ou inconscientes de construção semântica da realidade, notamos que é através de tal forma discursiva, a performativa, que esse nova realidade passa de "dada a entender" a "dada a ser". A construção do real a partir do que dele se entende é um ponto latente em nossa análise, pois a representação pressupõe esforço em corresponder, em ser o que se é aos olhos do outro. Mas vale aqui uma ressalva.
Bourdieu faz essa análise aplicada a um conjunto no qual há inter-relação dos agentes: o descrito/prescrito têm ciência do que sobre ele se pensa e, entendendo-se também como tributário dessa forma de ser pela qual é pensado, corresponde adotando comportamentos, modos, etc. Um exemplo é a sociedade de corte, na qual, ao receber um título nobiliárquico, a sociedade passa a conceber uma nova visão do indivíduo: ele é um nobre, e enquanto tal age desta e daquela maneira. A descrição de seu comportamento é, ao mesmo tempo, a prescrição do mesmo, levando, assim, tal indivíduo a agir de maneira correspondente ao que dele se espera. O efeito descritivo, de acordo com Bourdieu, tem o mesmo efeito que o apresentado na seguinte assertiva: a reunião está aberta. Até que ponto o enunciador descreve a reunião, que está aberta, ou, por meio de tais palavras, abre-a: a reunião está aberta. É uma constatação ou uma construção?
Essa situação dá-se em contexto de interlocução. Entretanto, não podemos falar em interlocução no início da expansão ibérica para a África, por razões óbvias: falta entendimento. Mesmo assim, entendemos que o discurso performativo apresentado pelos cronistas atua no dimensionamento do mundo real ao intervir nas relações sociais que sucedem-se entre África e Europa, moldando o "lido" e causando implicações mais profundas entre realidade/representação, o "visto". O discurso performativo bourdieano, assim, pode ser uma ferramenta-conceito para pensar os etno-encontros africanos e notar como a África foi construída/pensada/dada a entender na Europe moderna.
Preocupamo-nos com a visão europeia acerca da realidade africana não por acreditarmos ser a primeira a criadora/descobridora da segunda. Antes, nossa preocupação deriva do fato de nossas fontes serem europeias, produzidas por europeus. Prestamo-nos, dessa forma, ao exercício de buscar compreender as estruturas pelas quais a África foi pensada e, a partir de tais relações, tentar construir uma perspectiva histórica para os povos subsaarianos. É um trabalho difícil, entre a História Cultural e a Etnohistória. É esse nosso desafio e o primeiro obstáculo é entender o poder performativo do discurso sobre os guineus.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Apresentação na UFV

Olá, pessoal!
Ontem foi feita a apresentação de meu trabalho no I Seminário Nacional de Práticas Sociais, Narrativas Visuais e Relações de Poder: visões contemporâneas. O Simpósio Temático Narrativas Visuais Coloniais e Pós-Coloniais foi coordenado pelos professores Douglas Mansur e Daniela Alves e foi dividido em duas partes: na primeira, narrativas visuais coloniais: eu, Beatriz Carvalho, Letícia Destro e José Leandro Peters. Depois, na segunda parte, Juliana Ramalho e Douglas Mansur. Falei sobre cartografia do período moderno que trata do continente africano. Detive-me bastante nas "bordas" dos mapas, buscando conceber mais o imaginário que permeou a concepção de tais mapas que analisá-los em seu interior, na divisão social da África. Penso que não foi a minha melhor apresentação, mas gostei bastante, sobretudo por estar junto com Beatriz e Letícia, visto que discutimos alguns textos e essa foi a primeira vez que estávamos presentes no mesmo fórum de discussão. Segue o resumo de minha apresentação. Assim que for disponibilizado online, posto aqui o link para o resumo expandido.
Depois dessa apresentação, segue a rotina da pesquisa.
Finalizei a leitura do Luís Filipe Barreto (Descobrimentos e Renascimento)e de uma parte do Pierre Bourdieu (A Economia das Trocas Linguísticas). O próximo passo, que já está sendo dado, é aprofundar a leitura de Ronald Raminelli (Imagens da Colonização), mesclando com leituras das fontes.
Em breve trago algumas considerações acerca das leituras já realizadas.

Resumo:

A construção da África:

Concepção visual do continente africano na cartografia dos séculos XVI e XVII.


Este trabalho faz parte do projeto de pesquisa de Iniciação Científica intitulado O homem representado: a humanidade de ameríndios e africanos em relatos de missionários (1584-1696). Ao iniciarmos as pesquisas, deparamo-nos com um grande problema: o que é a África nos séculos XVI e XVII? Partindo dessa questão, buscamos compreender a concepção européia acerca do continente negro a partir da cartografia da época. Da concepção ptolomaica da geografia do planeta, para a qual utilizamos uma representação de 1482, passamos ao mundo pós-América e, por fim, detemos nossa atenção no que concerne apenas à cartografia que tem como objeto a África. Fizemos um recorte de aproximadamente 100 anos – entre a representação de Abraham Ortelius: Africae Tabula Nova (1572) – e aquela de Nicolaas Visscher: Africae accurata tabula (1670). Além da representação dos contornos do continente, os mapas trazem as localizações dos grandes impérios, cidades, cursos de rios, entre outros. É notada também a emergência da representação de determinados grupos étnicos do continente, demarcados territorialmente nas cartas, e a paulatina substituição de elementos gráficos que remetem ao imaginário mítico medieval, como monstros marinhos, anjos, entre outros, por elementos que passam a ser mais conhecidos e presentes na cultura européia, como os próprios negros, objetos de suas culturas, cenas de encontros entre os povos... As margens dos mapas são repletas de informações que nos auxiliam na compreensão do imaginário daquela época e, no corpo das cartas, há, apesar das imensas imperfeições, informações a respeito da localização e delimitação territorial das populações subsaarianas. O objetivo desta análise é buscar compreender como a idéia de “África” foi alterada entre os séculos XVI e XVII através dos elementos visuais presentes na cartografia do período, que narra o desenvolvimento do imaginário europeu e do conhecimento acerca da África.


Abração!

terça-feira, 18 de maio de 2010

O regresso - Seminário na UFV

Olá, amigos!

Lembram que eu disse que meu PC havia pegado um vírus? Pois bem, não era vírus, foi um problema no teclado. Mandei meu possante para um técnico dar uma olhada e só agora ele chegou. Esse post é a primeira coisa que estou escrevendo no teclado novo (e confesso que estou estranhando um pouco, onde devia estar (?) tem um outro Ctrl, mas com função de (?). Muito estranho...), que vai me custar um mês quase inteiro de bolsa de iniciação científica... oh derrota!
Tendo em vistas os gastos extras, vou apresentar meu trabalho apenas no I Seminário Nacional de Narrativas Sociais, Práticas Culturais e Relações de Poder: Visões Contemporâneas. O evento começou hoje, na UFV, e a palestra de abertura foi proferida pela professora Marta Abreu - UFF - e teve como tema "As escritas videográficas da história: negociações e conflitos". A palestra começou religiosamente no horário e a historiadora falou sobre sua experiência em "fazer filmes". Coloquei a expressão entre aspas pelo próprio caráter inominal da prática: de toda forma é um filme, mas um filme-tese, uma pesquisa que ganhou as telas em vez de um livro. Marta Abreu esteve envolvida na produção de três documentários historiográficos - nome que ela criticou, por entender, hoje, não ser o mais adequado ao trabalho realizado, preferindo nomeá-lo de escrita videográfica da história - a saber: Memórias do Cativeiro; Jongos, Calangos e Folias; e Jogo do Pau. Os três trabalhos tratam de construções historiográficas que trabalham com história oral, embora o trabalho de pesquisa de arquivo também se faça bem presente. O tema é a cultura popular de origem e tradição negra no estado do Rio de Janeiro. As festas como lugares de resistência e conflito também constituem um ponto de análise.
Ao apresentar as negociações e os conflitos, a autora enfatizou os internos à equipe - necessariamente multidisciplinar, como historiadores, cineastas, apoio técnico, bolsistas, entre outros - e os externos, ao lidar com as comunidades. Abreu destacou que, ao ser questionado por membros de outros grupos culturais o porquê de se deixarem pesquisar, fazer filmes sobre sua manifestação cultural, um dos membros de determinado grupo respondeu: não sei quem usa quem. Essa constatação é de grande relevância ao afirmar que ambos os lados envolvidos - a academia e as professoras brancas, referindo-se a Hebe Matos e Marta Abreu, de um lado e, de outro, os grupos culturais) são detentores de poderes: as práticas buscam visibilidade e reconhecimento cultural, as autoras buscam, em linhas gerais, reconhecimento intelectual. O próprio campo de produção é um espaço de troca, e não apenas o resultado, como a princípio de poderia pensar.
A produção cinematográfica apresenta-se como um recorte daquelas realidades, uma representação entendida no sentido mais próximo de Bourdieu, atuando como discurso performativo, criando a realidade que se apresenta. Ao reproduzir as manifestações da cultura popular em vídeo, a Academia, entendida como espaço de reconhecida profusão de saberes, legitima tais práticas culturais transformando a percepção que a sociedade possui do processo e agindo sobre o próprio processo, ao levar seus agentes históricos a necessitarem responder ao estímulo social decorrente da valorização de sua prática.
O campo das representações é riquíssimo em possibilidades de análises e, explorando uma de suas vertentes, minha apresentação, amanhã, tratará das representações cartográficas do continente africano nos séculos XVI e XVII. Em breve disponibilizarei o link dos anais do evento, no qual meu resumo expandido estará publicado. Amanhã falo como foi a apresentação, que ocorrerá às 14h no COLUNI, sala 2C!
Abraços, e agora estou de volta!

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Estive Off

Caros amigos, venho dar alguma satisfação, depois de dias sem aparecer nessa telinha. Meu computador pegou um vírus FDP, tiver que fazer o diabo-a-quatro pra recuperar, pra tentar curá-lo... Parece que, agora, a coisa está estabilizando. Bom, estou um pouco sem tempo nesse exato momento (e com um leve mal-estar, acho que foi uma gelatina que comi), por isso não vou trazer novas informações sobre a pesquisa. Adiando apenas que estou fazendo fichamentos de bibliografia e fontes, respectivamente: A Economia das Trocas Linguísticas, P. Bourdieu, e Tratado Breve dos Rios da Guiné do Cabo Verde, de A. A. de Almada. Amanhã irei para casa, ver minha amada mãe (saudade!) e, na segunda, ao voltar para Viçosa, preparo um post para colocar aqui na terça! Ok?

Abraços, feliz Dia das Mães a todos e suas respectivas mães!