segunda-feira, 16 de abril de 2012

Niterói das Gerais

Olhando o mar eu quero mais
Quero o morro das Gerais.

A pintura pode ser linda
Mas sem moldura, 
Parece desenho em papel de pão.

Falta o contorno, falta a forma
Falta a beirada que dá alma
Pro conteúdo.

Mas, então, me vejo mudo:
É o mar que encontra a terra
É a terra foge pra pedra
É a pedra toca o céu.

Niterói das Gerais.
Achei a moldura pra Tarsila da minha parede.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Projeto Rondon Jul/2011 - Operação Tuiuiu

Julho é época de muitos estudantes curtirem suas férias, descansarem, colocarem as pesquisas em dia, seus projetos... depois de cinco anos de UFV, esse será meu primeiro julho radical: amanhã inicio as atividades do Projeto Rondon, no Pantanal Matogrossense! Serão quinze dias na cidade de Poconé, iniciando e terminando o projeto em Cáceres-MT, que será o centro da Operação.
Aqui da Universidade Federal de Viçosa, irão oito estudantes e duas professoras. Equipe necessariamente multidisciplinar, é formada pelos estudantes Camila Chagas (Nutrição), Carlos Esteves (Direito), Dryelli Jales (Economia), Fábio Maia (Eng. Florestal), Hinayah Rojas (Zootecnia), Luiz Oliveira (Agronomia), Paula Afonso (Eng. Ambiental), além de mim (História) e das professoras Michele Gabrielli - Mika (Dança) e Cláudia Patrocínio (Educação Física). Desde abril, estamos nos reunindo periodicamente, preparando oficinas, juntando material, fazendo cursos e treinamentos, enfim, esforçando-nos para fazer o melhor junto à comunidade poconense.
O Projeto Rondon foi criado em 1967, durante o regime ditatorial civil-militar, com o objetivo de promover integração nacional através do conhecimento da realidade brasileira por parte de estudantes universitários voluntários. Coordenado pelo Ministério da Defesa, deixou de existir em 1989, até ser reativado em 2005, por intermédio da União Nacional dos Estudantes. Pois é, e agora, em 2011, eu tô indo!



Equipe da UFV. De pé: Hinayah, Fábio, Paula, Mika, Dryelli. Agachados: Luiz, Carlos, Camila, Thiago. Faltou só a Claudinha.


Amanhã iremos para BH, às 12h30, onde passaremos a noite no Batalhão do Exército. No sábado, pegamos voo às 6h32 (pois é...) rumo a Cuiabá, de onde partimos para Cáceres, onde ficaremos o resto do sábado. No domingo vamos para Poconé, ficando lá até dia 30, quando se inicia o percurso de volta. Na medida do possível, tentarei atualizar esse blog durante a operação, trazendo experiências e percepções!

Abração! Amanhã, o pé tocará a estrada!

sábado, 26 de fevereiro de 2011

"Meus amigos todos estão procurando emprego"

Todos sabem que andamos vivendo num Teatro de Vampiros. A vida é sugada aos poucos, a cada instante, seja pela obsessão pela excesso de vida, o extremo Carpe Diem, ou o tédio e ócio do cotidiano e rotina. O pensamento sobre o futuro nos pega de relance, ao pé da porta no hora de sair, na cadeira em frente ao computador, na cama, bela e sagrada, na mais imprópria hora de dormir.
"Vamos sair, mas não temos mais dinheiro"
É uma situação complexa: tempo é dinheiro, mas quando tenho tempo, falta o dinheiro, se há dinheiro (bem trocado, diga-se, o que escasseia é o tempo. O que fazer? Tenho angustiado-me com isso, sei que de forma desnecessária, mas tenho. Com esses pensamentos, fiz alguns concursos (dois, na verdade) para professor. No primeiro deles, fiquei em segundo lugar, sendo que o primeiro já foi convocado e está trabalhando. Estou na lista! Já no outro, fiz a prova dia desses, contabilizei 77,5% dos pontos. A princípio achei uma boa nota, até ver nos fóruns e tópicos de comunidade discutindo tal concurso. Entre os debatedores, 77,5% era a menor nota. 
Mon Dieu, qu'est-que je serai?!



Essa apreensão e insegurança tem crescido ultimamente, de forma desnecessária e inconveniente. Acho que são pressões de vários lados, embora todos eles estejam do lado de dentro... "Meus amigos todos estão procurando emprego", se já não trabalham e seguem suas vidas. Estou exigindo de mim os mesmos passos dados por eles, sem lembrar-me que, de todos esses, nenhum cursa História, nenhum tem os mesmos objetivos que eu e, detalhe destacado, a maioria deles trabalha em funções decorrentes da mineração de ferro nessas Minas Gerais, mais diretamente em Congonhas.
Não há padrão. A partir de agora parei com esse medo e insegurança que puxa pra baixo, pra um estado de melancolia crônica que não entra em sintonia com meus sonhos, crenças e planos. A partir de hoje, comecei a praticar o desapego!

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Antes de escrever qualquer outra coisa

     Há um tempo considerável não utilizo esse espaço... O ano de 2010 foi bastante corrido, nem o vi passar, o tempo foi-se completamente nu e envergonhado por não se poder despir de forma satisfatória, diante de olhos aguçados e admiradores de toda sua beleza. Não se vestiu, não se despiu, foi-se.
     Estou voltando agora com uma nova proposta: não quero falar da minha pesquisa em História, mas refletir sobre as condições e motivações que me levam a propô-la, a pensar e a fazer H(h)istória. Pensar a nudez do tempo não é simplesmente relacionar folhas de textos desalmados e desapaixonados. Sim, minha gente, é preciso paixão, é preciso tesão, é preciso espiritualizar o conhecimento, vesti-lo para então ter o sabor de despi-lo, todo, saboreando cada pedacinho, cada canto, cada pingo de letra, cada borrão de tinta.
     Será que nossa dificuldade para lembrar, seja de uma data (não precisam ser datas do século XVII, pode ser aquela em que sua mãe nasceu, ou que você comemora anos de namoro...) é nosso desejo de esquecê-la? Queremos alienar-nos do tempo para não termos o compromisso de suportá-lo,  tratando-o como um fardo sobre nossas almas? O que de fato é esse tempo? Tenho pensado sobre isso, sobre suas mais variadas facetas, suas proposições, suas formas construídas nas mais diversas sociedades. É ele um ditador, um tirano, um salvador, apagador de dores e tristezas? 
      Bom, acredito que o tempo é... o tempo. Não tem valor em si, não existe em si, não existe por si. Nossa reflexão, agora, caminha para um lado mais interessante e menos auto-ajuda. Começamos a pensar o tempo como construção histórico-social, datada e determinada por dadas finalidades. O passar dos dias em si, sem a reflexão humana acerca de seus significados e das implicações que os dias têm na construção social de nossas vidas, não é tempo. É transformação despropositada. O que significa o tempo para você? Como você mede seu tempo? Quantos tempos tem sua vida?


Há outra forma de se contar o tempo a não ser em anos?


quinta-feira, 22 de julho de 2010

Mostra de cinema sobre África

Olá, amigos!
Estou de férias em casa e sem acesso diário à internet, por isso as postagens estão ainda difíceis...
Bom, preparando um bom início de período, a professora Roberta Franco, do Departamento de Letras da Universidade Federal de Viçosa, está organizando uma mostra de cinema africano de língua portuguesa. A mostra, intitulada Conflitos em Língua Portuguesa: cenas de Guerra em Portugal, Angola e Moçambique, contará com a apresentação de quatro filmes (ver abaixo) e terá espaço aberto para discussão após cada apresentação. O evento acontecerá no Cine Clube Carcará, de 10 a 13 de agosto, das 14h às 16h, na UFV. As inscrições são gratuitas e podem ser feitas através do e-mail do evento: conflitos.portafrica@gmail.com. Haverá emissão de certificados aos participantes. Veja abaixo os filmes que serão apresentados e suas sinopses.

Non ou a Vã Glória de Mandar (1990)
Manoel de Oliveira



Primeiro filme português que aborda de frente a memória da guerra colonial, evocando diversos pontos de viragem da nossa história, “Non” é um filme que conjuga a reflexão sobre o destino de um país, cujos homens quiseram ir sempre mais além, e que depois de 1974 se vê reconduzido às suas fronteiras originais. Um filme com uma dimensão espectacular ímpar, de que é exemplo a reconstituição da batalha de Alcácer-Quibir. Retratando de forma grandiosa e singular diversos acontecimentos da história de Portugal, que são evocados por um pelotão de militares nos últimos anos da guerra colonial, “Non” é uma notável e muito pessoal reflexão de Manoel de Oliveira sobre a identidade e o destino português.

Preto e Branco (2003)
José Carlos de Oliveira




Um Homem Branco, 46 anos, que nunca conheceu a Metrópole, nascido e criado em Moçambique, sargento na unidade de tropas especiais do exército colonial português.Um Homem Negro, 27 anos, que não conheceu África, criado em Lisboa, finalista de engenharia no Instituto Superior Técnico, entusiasta dos ideais de esquerda.Os dois encontram-se em Moçambique, em plena guerra colonial, quando o Homem Branco, na conclusão de uma operação especial no mato captura o Homem Negro, acabado de chegar a África como voluntário para a luta dos movimentos de libertação.Perdidos em território de guerra, os dois encetam uma caminhada em busca do aquartelamento colonial mais próximo. Durante essa caminhada encontram uma Enfermeira do exército português, alferes, também perdida no mato. A inversão das características destas personagens dá uma nova perspectiva da guerra colonial portuguesa e leva ao absurdo as razões de todas as guerras, do racismo e da posse da terra.


Capitães de Abril (2000)
Maria de Medeiros



O filme é visto com frequência pelos olhos de uma menina, filha de um casal que vive a fractura de sua união. A mulher quer lutar por transformações, acha que o marido militar é reaccionário. Na verdade, ele integra o movimento revolucionário. A menina descobre que seu pai é um herói, mas isso não salva o casamento. "Aquela menina não sou eu, aqueles não são meus pais, mas de certa forma eu posso me identificar com ela e escolhi seu olhar inocente e puro para mostrar aqueles dias que abalaram Portugal." Ela conta como foi emocionante encenar as cenas de euforia popular, quando o povo saiu às ruas para apoiar os canhões. A florista distribui cravos aos revolucionários, como ocorreu na realidade, e o movimento ficou conhecido como Revolução dos Cravos.



O Herói (2004)
Zezé Gamboa


Filme o Herói – Zezé Gamboa – conta a história da luta pela sobrevivência de Vitório, mutilado de guerra, que procura ter uma vida normal, num país cuja população busca ansiosamente por uma mudança. O filme constitui uma visão sobre a cidade de Luanda e uma Angola do pós-guerra, a partir da história de várias pessoas que tentam recomeçar a sua vida num país devastado pelo conflito.
Será um bom evento e bem no começo do período, quando ninguém tem nada para fazer, hehe! Essas sinopses foram capturadas em sites de cinema, ainda não assisti aos filmes. Depois da mostra posto aqui minhas opiniões! Agora é só separar um trocado para pipoca e aguardar!
Inscrições gratuitas, no e-mail: conflitos.portafrica@gmail.com.
Organização:
Prof. Roberta Franco
Promoção:
Departamento de Letras - DLA/UFV
Cine Clube Carcará
Forte abraço a todos! E até lá no cinema!

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Pensando a Etnohistória.

Olá, pessoal! Dando continuidade às nossas atividades, penso ser interessante pensarmos um pouco a respeito da modalidade de História que buscamos praticar: a etnohistória. PorémPassemos a analisar o que caracteriza a etnohistória. Antes de atentarmos para o prefixo etno, o que entendemos por História?

É possível definir história como um conceito universal, já que a experiência comum da passagem do tempo é consensual, mas também particular: na dimensão dos eventos e quando o acontecimento é culturalmente valorizado. A história pode, ainda, ser tomada como uma disciplina, ou como uma categoria fundamental. Nesse último sentido, e nos termos de Durkheim, estaríamos lidando com uma “categoria básica do entendimento”, um a priori: não há sociedade que não construa sua noção de tempo, mas cada cultura a realiza empiricamente de forma diversa [1].

Amparados por Lilia Schwarcz, entendemos a História como uma reconstrução do passado, encadeada pelo presente que mantém ambos separados por meio do tempo. A noção de tempo, dessa forma, é essencial para que compreendamos a história e possamos empregá-la enquanto conceito a outras sociedades, com noções de tempo distintas do tempo ocidental (cronológico), mas que não perdem de vista as dimensões passado e futuro.

Considerando o passado como perspectiva essencial ao fazer histórico, podemos classificar toda tentativa de História, enquanto disciplina, como uma tentativa diacrônica de representação da alteridade, visto que o presente, personificado no historiador, aplica seu olhar ao passado buscando compreendê-lo. A etnohistória, por sua vez (e por trabalhar com documentos produzidos por terceiros a respeito de determinado povo), trabalha com a alteridade na dupla dimensão: se, por um lado, ela é diacrônica, visto o distanciamento temporal entre o objeto de estudo e o estudioso, ela é sincrônica ao buscar estabelecer relações entre as alteridades que se chocam no espaço/tempo determinado. Essa dimensão do trabalho etnohistórico confronta-se com aquela que toma a perspectiva do sujeito da prática discursiva como sua, considerando apenas a alteridade sincrônica. Acerca desses dois posicionamentos frente às fontes históricas, Schwarcz afirma aque:

(...) uma série de pesquisas antropológicas vem reconsiderando as maneiras de fazer essa “história do encontro” e criticando a representação do nativo como um “elemento passivo” de sua história. De um lado, há toda uma produção atenta às lógicas políticas e culturais desses contatos, e que tem a sociedade ocidental como referência de análise. De outro, um conjunto de trabalhos busca não uma história (ocidental) dos índios brasileiros, mas uma história indígena em seus próprios termos. Trata-se de uma linha que, em vez de acreditar que o discurso sobre os povos de tradição não européia serve para iluminar nossas “representações do outro”, passa a indagar de que forma os “outros representam os seus outros” [2].

O dilema epistemológico do tempo faz-se presente nessas duas formas de abordagens, visto que a primeira adota o observador e seu tempo enquanto referência para análise e a segunda busca perscrutar a história do observado através dos olhos do observador. Há uma dupla lente nessa perspectiva, que busca resgatar o passado de determinados grupos sociais revolvendo arquivos que já se caracterizam como leituras e interpretações de tais grupos, perscrutando informações acerca da cosmologia deles, mas deparando-se como essa foi entendida por seus observadores primeiros. Há uma dupla alteridade, duplamente representada no trabalho do historiador: como este representa o outro temporal e esse último o outro espacial.

O tempo, na etnohistória, é mais que um dilema epistemológico: é também metodológico. Muitos trabalhos que tratam de história indígena tendem a entender os fatos apresentados na fonte através de estudos etnográficos que partem do presente ou significar tais fatos a partir de problemas da atualidade. Tomemos como tema as análises acerca das migrações dos Tupinambá [3] para exemplificar o que dissemos.

Ao analisar os trabalhos de Alfred Metraux acerca das migrações tupinambás [4], Cristina Pompa constata que o autor intercala o uso de fontes quinhentistas e seiscentistas com informações decorrentes de etnografias dos séculos XIX e XX. Os mitos da Terra Sem Mal e do messianismo Tupinambá são tratados como categorias explicativas, dessa forma, relacionando-se as duas naturezas de fontes, difusas no tempo. Pompa afirma que “o arcabouço metodológico que circunscreve esse mito consiste me explicar a cultura tupinambá pela cultura guarani moderna, e considerar, ao mesmo tempo como ‘pressuposto’ e como ‘conseqüência’, a segunda como derivada da primeira” [5].

Florestan Fernandes analisa as migrações partindo da idéia de conflito e afirma que “no começo do século XVII existiam poucos Tupinambá no Rio de Janeiro e arredores. Foram exterminados nas guerras contra os portugueses ou então migraram” [6]. Preocupado em descobrir mecanismos de funcionamento da sociedade Tupinanmbá, busca justificar tais migrações relacionando-as com a situação social vivida pelos grupos no contexto do encontro intercultural, tratando os índios como vítimas do processo histórico no qual estão envolvidos.

Como notamos, o trabalho de Métraux esforça-se, de acordo com Pompa, para compreender a situação migratória como decorrente das convicções internas do grupo, sem relação com o contato inter-étnico, e recorre a fontes de temporalidades distintas para corroborar sua tese. Fernandes, por sua, vez, recorre ao encontro enquanto fator modificador da realidade indígena pela perspectiva externa: há uma mudança na forma de vida e de compreensão do mundo indígena decorrente da ação dos portugueses. As causas do fenômeno, dessa forma, são externas. Ao contrário de Métraux, vale ressaltar, Fernandes avalia a ausência de fontes que remetam a uma conclusão precisa, afirmando antes que “dentro de pouco tempo deixaram de ser mencionados explicitamente nos documentos históricos disponíveis” [7].

Pompa, por sua vez, busca aliar as duas vertentes acima, considerando o mito da Terra Sem Mal da perspectiva de Metraux e buscando razões internas à cultura indígena que, associadas aos fatores externos, levaram a tais migrações. A autora afirma que os encontros culturais são geradores de realidades conjuntas, nas quais há o somatório de fatores internos e externos:

A presença dos brancos não pode ser percebida apenas como desencadeadora de reações ou resistências, vistas em termos de volta aos costumes nativos, mas como uma realidade nova que obriga os diferentes grupos, com diferentes modalidades, a reconstruir simbolicamente, mas também historicamente, o mundo. O que foi chamado de “messianismo tupi-guarani” pode ser um produto original sem deixar de ter como causa o choque cultural: esta é a tese aqui proposta [8].

Percebemos que Pompa articula o relato apresentado nas fontes com o contexto social vivido por seus autores (religiosos europeus) e objetos (índios) enquanto uma situação de leitura e significação mútua, na qual os dois modificam-se em decorrência de sua coexistência.

Finalizando nossa discussão a respeito da Etnohistória, Ronald Raminelli analisa o trabalho de Pompa e diz-nos que a autora buscou entender “as traduções, o deslizamento de sentidos entre os universos simbólicos dos colonizadores e dos indígenas” atentando-se para o perigo de intercambiar informações (temporal e espacialmente), na tentativa de suprir lacunas apresentadas pelas fontes. Tal metodologia de análise documental (sincronia, diacronia e análise da historicidade dos encontros culturais), de acordo com Raminelli, garantiu a Pompa uma tese que se diferencia de boa parte daquelas produzidas no âmbito da Etnohistória [9]. Enfim, trataremos, nas postagens seguintes, de definir nosso objeto partindo dessa perspectiva da História ligada à etnologia: estudamos a alteridade na diacronia.

Abraços, pessoal, bom fim de semana a todos!




[1] SCHWARCZ, Lilia Mortiz. Questões de Fronteira: sobre uma antropologia da história. In Novos Estudos. n72. Julho/2005. p.120.

[2] Idem. 130.

[3] A grafia utilizada para nomes de grupos indígenas e africanos está de acordo com a Convenção da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), de 1953. Segundo Cristina Pompa, a “letra maiúscula para os nomes tribais (com a minúscula no emprego adjetival), sem flexão de número e gênero (...) é um modo, simbólico, de reconhecer um coletivo lingüístico, étnico e territorial: não um somatório de indivíduos, mas uma coletividade única, distinta da comunidade nacional, já que os grupos indígenas não têm, hoje, países ou pátrias que se possam escrever com a letra maiúscula.” In POMPA, op. cit. p.30.

[4] MÉTRAUX, Alfred. A religião dos Tupinambá. São Paulo: Companhia Editora Nacional. 1979 (1928)

[5] POMPA, Cristina. Religião como tradução: Missionários, Tupi e Tapuia no Brasil Colonial. São Paulo: Edusc. 2003. p.105-106.

[6] FERNANDES, Florestan. A Organização Social dos Tupinambá. Difusão Européia do Livro: São Paulo. 1963 (1949) p.33.

[7] Idem.

[8] POMPA, op. cit. p.114.

[9] RAMINELLI, Ronald. O dilema do tempo na ento-história. In Tempo. Vol.12, n23, Julho-Dezembro. 2007. Rio de Janeiro.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

África e o discurso performativo

Caros amigos, hoje pretendo iniciar uma discussão metodológico-conceitual que permeia toda minha pesquisa: a ideia de representação. Antes, porém, alguns esclarecimentos. Estou cursando a disciplina Prática de Pesquisa em História III e, ao término, tenho que entregar um projeto de pesquisa, a ser o caminho para a produção monográfica. Até então tudo bem, já fiz um projeto, aquele de Iniciação Científica. Entretanto, estou com algumas dificuldades: trabalhando com duas frentes, na perspectiva comparativa, tenho que ler duas fontes, duas bibliografias, fazer duas análises individuais... enfim, tudo dobrado. O problema é que não dá tempo! Não é uma tese de doutorado, é uma monografia! Dessa forma, optei por concentrar-me apenas no concernente à África e, talvez um dia, eu retome minhas comparações de forma mais refinada e com mais tempo para elaboração.
Assim, a discussão que tentarei apresentar agora prende-se à África e, de certa forma, foi um dos pontos que toquei ao apresentar o A construção da África. O que entendemos por representação pode ser uma pergunta inicial, mas pensamos que seria melhor pensar em como a representação se constitui para, então, discutir tal ponto.
Luís Filipe Barreto e José da Silva Horta concordam que tal processo parte do embate entre o lido e o visto, entre a tradição e a experiência. Isso significa que, ao ter contato com outros povos, os viajantes atribuíam uma determinada significação à realidade com a qual se defrontavam menos analisando os elementos que, de fato, a constituem, que retomando seu arcabouço cultural. Assim, tanto a realidade africana como americana ou, ainda, oriental, são "forçadas" a caber dentro da cosmologia, da sociologia e da religião europeias. Gruzinski afirma que a América foi descrita com vocabulário europeu, o que leva-nos a perceber que, embora os elementos presentes em ambos os continentes fossem diferentes em natureza e uso, são descritos com palavras afins: a identidade na diferença é ressaltada, ou antes, o discurso da alteridade impera nas fontes.
Entre descrever e prescrever não há muita distância do ponto de vista do discurso. Ao descrever os novos mundos, os europeus recriavam-nos: atribuíam novos significados, entendiam as práticas de maneira diferente daquela nas quais elas eram entendidas pelos seus praticantes, recriavam um mundo de relações sociais de acordo com a dicotomia lido/visto. Aproximamo-nos, assim, do discurso performativo que emana das representações. Tendo as últimas como processos conscientes ou inconscientes de construção semântica da realidade, notamos que é através de tal forma discursiva, a performativa, que esse nova realidade passa de "dada a entender" a "dada a ser". A construção do real a partir do que dele se entende é um ponto latente em nossa análise, pois a representação pressupõe esforço em corresponder, em ser o que se é aos olhos do outro. Mas vale aqui uma ressalva.
Bourdieu faz essa análise aplicada a um conjunto no qual há inter-relação dos agentes: o descrito/prescrito têm ciência do que sobre ele se pensa e, entendendo-se também como tributário dessa forma de ser pela qual é pensado, corresponde adotando comportamentos, modos, etc. Um exemplo é a sociedade de corte, na qual, ao receber um título nobiliárquico, a sociedade passa a conceber uma nova visão do indivíduo: ele é um nobre, e enquanto tal age desta e daquela maneira. A descrição de seu comportamento é, ao mesmo tempo, a prescrição do mesmo, levando, assim, tal indivíduo a agir de maneira correspondente ao que dele se espera. O efeito descritivo, de acordo com Bourdieu, tem o mesmo efeito que o apresentado na seguinte assertiva: a reunião está aberta. Até que ponto o enunciador descreve a reunião, que está aberta, ou, por meio de tais palavras, abre-a: a reunião está aberta. É uma constatação ou uma construção?
Essa situação dá-se em contexto de interlocução. Entretanto, não podemos falar em interlocução no início da expansão ibérica para a África, por razões óbvias: falta entendimento. Mesmo assim, entendemos que o discurso performativo apresentado pelos cronistas atua no dimensionamento do mundo real ao intervir nas relações sociais que sucedem-se entre África e Europa, moldando o "lido" e causando implicações mais profundas entre realidade/representação, o "visto". O discurso performativo bourdieano, assim, pode ser uma ferramenta-conceito para pensar os etno-encontros africanos e notar como a África foi construída/pensada/dada a entender na Europe moderna.
Preocupamo-nos com a visão europeia acerca da realidade africana não por acreditarmos ser a primeira a criadora/descobridora da segunda. Antes, nossa preocupação deriva do fato de nossas fontes serem europeias, produzidas por europeus. Prestamo-nos, dessa forma, ao exercício de buscar compreender as estruturas pelas quais a África foi pensada e, a partir de tais relações, tentar construir uma perspectiva histórica para os povos subsaarianos. É um trabalho difícil, entre a História Cultural e a Etnohistória. É esse nosso desafio e o primeiro obstáculo é entender o poder performativo do discurso sobre os guineus.